Escrever sobre experiência vivida é sempre uma tarefa difícil: como colocar no papel sensações, cheiros, sabores, cenas e emoções? Foi exatamente a pergunta que me veio à cabeça quando o Steven me pediu para escrever um depoimento em dez linhas sobre a viagem de Chicago.
As primeiras emoções vieram no dia em que a Adriana Salomão entrou na sala de aula do Tap in Rio anunciando que eu e o Gabriel, tínhamos ganhado a bolsa para o Rhythm World, um dos maiores festivais de sapateado dos EUA. Foram os primeiros gritos, lágrimas e abraços. Depois meses de planejamentos pelo msn: procurando hospedagem, comprando passagem, escolhendo os cursos que faríamos, arrecadando dinheiro para ajudar com os gastos, economizando, correndo atrás de vistos e passaportes e arrumando malas o dia finalmente chegou.
Estávamos nós, dois jovens com sonho de tornar-nos grandes sapateadores profissionais em direção ao berço da nossa arte para aprender com alguns dos maiores mestres da atualidade. E só essas últimas linhas já são o suficiente para explicar porque foram emoções tão difíceis de ser traduzidas.
Não vejo como definir a força de uma mulher como Ayodele, que dá aula de salto sem deixar um passo sequer a desejar. Ou os conselhos de Janas para um grande sapateador. E falando nele, o leitor não sentiria a diversão de fazer os slides do seu aquecimento, e nem o espanto de depois de uma semana, perceber que os exercícios do primeiro dia não eram tão impossíveis mais. As aulas do outro Jason também são um mistério, como alguém entenderia que mesmo seguindo o mesmo aquecimento, a mesma estrutura dos exercícios e quase os mesmos passos, todas as aulas são desafiantes e gostosas? Como entender o ouvido de “Tre” Dumas sem aprender sua sequência em que cada sílaba do rap corresponde a um som no pé? E a aula divertida de Jay Fagan? Ou o estilo único e despojado de Michelle Dorrance que dá aula mesmo com o pé quebrado? Ninguém entenderia a didática de Derick Grant, que com apenas uma hora disponível, faz questão de todas as etapas de uma aula: o aquecimento, um exercício desafiante, um exercício técnico, improviso e uma sequência. Até mesmo um sapateador, só entende que precisa fazer também fazer aulas de outros estilos para juntar aquelas pérolas e crescer, depois fazer uma aula como a do Step Afrika de Jakari Sherman (We see you stepping Jak!), como fazer um leitor entender isso? Como escrever sobre a leveza e limpeza de Lane? Ou sobre a técnica e musicalidade de Sam Weber (que relíquia!)? Ou até mesmo o cheirinho de casa que a companhia do brasileiro Fernando Barba traziam junto com ele, nossos pássaros . Ninguém entenderia, nem por vídeos a sensação de ouvir Dianne “Lady Di” Walker cantando a sua sequência. Muito menos sentiria a emoção de vê-la dançando, emoção tal que tirou lágrimas dos meus olhos e dos do Gabriel também.
E por falar em apresentações, essas ninguém poderá entender mesmo, pois tivemos o privilégio de ver em apresentações únicas, todos os mestres provando porque merecem ser chamados assim. Cada um maravilhoso no seu estilo, e cada qual com o seu. Saíamos das apresentações desejando um dia ser como eles como escrever essas e outras sensações que sentimos naquelas noites? E na noite em que apresentamos nossos solos (foto)? Um papel é capaz de bater como o nosso coração na hora que ouvimos o nosso nome e subimos ao palco. Nem de representar o frio que deu na barriga quando a música começou a tocar. Muito menos a responsabilidade de estar mostrando ali, para os grandes professores e alunos, no país de origem do nosso sapateado, o sapateado brasileiro, o samba, e o que é que os brasileiros têm. Ou a minha satisfação de após um ano de muito trabalho, dançar meu solo no local para o qual ele tinha sido feito inicialmente.
E esse tal do frio na barriga também veio em outras horas, principalmente nas horas de improviso. Nunca foi tão difícil improvisar, nunca tive tanto medo como escrever essa sensação? Mas tudo se acalmava quando tocava uma música brasileira e eu me sentia em casa, à vontade. Ou tocava um jazz e era a vez do Gabriel se sentir assim, e ele teve sorte mais vezes do que eu (risos). Como alguém entenderia esse efeito da música naquele momento sem vivê-lo?
E um depoimento também não vai explicar a descoberta que fizemos acerca da universalidade do sapateado. Um shuffle será um shuffle em qualquer lugar do mundo, mas cada um nesse mundo fará o shuffle à sua maneira. Imagine então esses diferentes shuffles de diferentes nacionalidades em uma só sala de aula. Como entender plenamente senão (vi)vendo? E a oportunidade de conhecer todos esses estilos? Onde mais poderia tê-la? Não seria em um depoimento...Todos os dançarinos deveriam trocar experiências, conhecimentos e dicas, principalmente com pessoas de estilos diferentes, só aprendemos o tanto que essa troca é essencial porque a vivemos. Em apenas uma semana fiz intercâmbio com a Austrália, com a Suíça, com a Espanha, com o Japão, com a China, com a Alemanha, com o Canadá, com a Finlândia, com a França e por aí vai. Como colocar isso no papel?
Mas não apenas fizemos trocas com o mundo. Também trocamos com o nosso Brasil, entre nós. Como escrever a minha sensação de segurança e felicidade de ter ali ao meu lado, não só alguém que falasse a minha língua, como também meu melhor amigo? Amigo que me deixou mais confiante nos cursos, me ajudou nas aulas, treinou e filmou cada sequência comigo, segurou minha mão antes de subir ao palco, me estimulou a improvisar e cuidou de mim. Tivemos muita sorte em ir juntos, Mas será que é sorte mesmo o nome disso? Um depoimento de dez linhas não seria capaz de fazer com que o leitor sentisse tudo o que nós sentimos.
Somos eternamente gratos a todos que nos apoiaram e nos deram essa oportunidade de aprender, se emocionar, crescer e dançar: Obrigada Steven e Adriana! Obrigada Lane! Obrigada Cameron! Obrigada Shaina! Obrigada professores e mestres e citados ali em cima! Obrigada Marina, por nos guiar várias vezes e por ser uma ótima companhia! Obrigada amigos de intercâmbio (ainda aprendo a falar “obrigada” em todas as línguas para agradecer direito!)! Obrigada todos vocês que nos ajudaram nas rifas e na galinhada! Obrigada vocês que fizeram aula conosco! Obrigada vocês que nos deram informações e dicas! Obrigada vocês que nos incentivaram! Obrigada todos que fizeram com que essa viagem fosse possível!
E obrigada Gabriel, por ser meu Café!
E que venha Los Angeles Tap Festival no ano que vem! Dedinhos cruzados por nós novamente!